Projecto Arquivos e Estudos do Miguelismo

Questão Portuguesa

O Marquês de Barbacena e a Questão Portuguesa (1827-1831)

Cláudia Maria das Graças Chaves (Universidade Federal de Ouro Preto)

Daiane de Souza Alves (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)

Na posição de ministro plenipotenciário do Império do Brasil e munido de plenos poderes, Felisberto Caldeira Brant Pontes de Oliveira e Horta, o marquês de Barbacena, recebeu a incumbência de representar os interesses de D. Pedro I na Europa na segunda metade do ano de 1827. Suas tarefas consistiam em promover, com o auxílio do imperador da Áustria, Francisco I, as convenções matrimoniais do segundo casamento do herdeiro de Bragança. Além disso, as instruções também previam que o marquês realizasse a entrega da princesa D. Maria da Glória à confiança do avô, repassando com isso o cumprimento das orientações destinadas ao infante D. Miguel. As instruções consistiam na sua nomeação como lugar-tenente e regente de Portugal, com o objetivo de zelar pelo Reino e pela Carta Constitucional portuguesa de 1826. Esse cargo seria ocupado durante a menoridade da princesa herdeira do trono e enquanto não se cumprissem as suas núpcias com a sobrinha (PEIXOTO 2022: 177).

Às ordens mencionadas se somavam a aprovação e execução de todos os assuntos tratados pelo plenipotenciário na Europa, além de um “crédito ilimitado” para executar as instruções recebidas (AGUIAR 1896: 315). A posição privilegiada assumida pelo ministro nos círculos de confiança de D. Pedro I pode estar associada à sua participação no reconhecimento da independência brasileira em 1825 e na formalização do primeiro empréstimo externo realizado pelo Império do Brasil com a praça de Londres. Importante ressaltar que o valor de três milhões de libras esterlinas angariado na praça de Londres pelos ministros plenipotenciários brasileiros Caldeira Brant e seu sócio Gameiro Pessoa foram amplamente utilizados na campanha no Sul pelo controle da província Cisplatina. Atuação também catapultada por Barbacena como general em chefe do Exército Imperial. O que envolveu também o reconhecimento português da separação política do Brasil em relação a Portugal e a renovação do tratado de Amizade, Comércio e Navegação de 19 de Fevereiro de 1810 com a Inglaterra.

Mineiro de nascimento, Felisberto Caldeira Brant Pontes de Oliveira e Horta, tem suas origens em um dos principais troncos familiares das Minas do século XVIII, os Horta, advindos da nobreza da terra paulista e envolvidos no comércio de diamantes (ALMEIDA 2007: 135). Passou parte da juventude na companhia de familiares em Portugal com breve passagem por Angola, de onde vieram suas experiências com os negócios escravistas, tendo participado de forma ativa no tráfico. Fato notável para quem seria alguns anos mais tarde autor da lei anti tráfico de 7 de novembro de 1831, ainda que fosse por questões políticas e que isso não significasse ser contrário ao escravismo. Sua fortuna se fez majoritariamente na capitania da Bahia, onde manteve sociedade com destacados negociantes e traficantes, aproximando-se ativamente da corte joanina ao encampar a instalação de uma filial do Banco do Brasil na capitania em 1817 e ao cooperar com a repressão ao avanço da Revolução de 1817 em direção ao território baiano (PEIXOTO 2013: 164).

Como comissário de D. Pedro I na Europa, Caldeira Brant, representava, sobretudo, uma solução política editada a quatro mãos com a influência direta do secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros da Grã-Bretanha, George Canning (PEIXOTO 2022: 184). A missão estava inserida em uma conjuntura política internacional confusa e conflituosa que envolvia mais do que a sucessão ao trono português. A morte de Canning, ocorrida a 8 de Agosto de 1827, adicionou novos desafios ao cumprimento das incumbências recebidas pelo ministro, que encampou a defesa da causa de D. Maria II ao tomar conhecimento através do ministro plenipotenciário brasileiro, visconde de Itabaiana, da usurpação do trono português perpetrada por D. Miguel em 1828 (GONÇALVES; SILVA 2024: 9). Peixoto destaca que a decisão de levar a rainha à Grã-Bretanha e cobrar da coroa inglesa auxílio na causa sucessória portuguesa causou certo mal-estar entre os novos representantes diplomáticos ingleses, mas ao mesmo tempo reanimou indiretamente os emigrados lusitanos investidos da causa liberal em defesa de D. Maria II (PEIXOTO 2022: 196).

Ao contrariar os planos inicialmente descritos nas instruções recebidas para a missão, Barbacena garantiu que a rainha-infanta fosse oficialmente recebida no Palácio de Windsor pelo monarca inglês, Jorge IV, promovendo com isso a recuperação dos ânimos dos liberais envolvidos na causa da infanta rainha, ao mesmo tempo em que ratificava a posição da Grã-Bretanha perante a usurpação do trono português. Na corte inglesa o marquês também atuou para convencer o governo britânico a encaminhar ao Brasil os liberais emigrados em Plymouth, através de uma atuação conjunta com o marquês de Palmela ratificada pelo conde de Aberdeen, membro do gabinete ministerial enquanto chanceler do Ducato de Lancaster. A medida buscava contribuir com a diminuição dos gastos com os emigrados portugueses, mas não gerou apoio direto entre os brasileiros, principalmente entre os representantes na Câmara dos Deputados, que já ofereciam resistência à centralidade assumida pela chamada questão portuguesa nos negócios do Brasil na Europa.

De volta ao Brasil, acompanhado da princesa Maria da Glória e da futura imperatriz Amélia de Leuchtenberg, o marquês foi convidado a compor o ministério a partir da legislatura da Assembleia seguinte. Ele passaria a ocupar a pasta da Fazenda, função que já havia desempenhado em 1826. O aceite para o cargo esteve condicionado pelo marquês à apresentação e aprovação de todas as contas das despesas da viagem pela Europa e à garantia de que seu ministério não sofreria interferências de “conselheiros secretos ou qualquer criado do Paço” (AGUIAR 1896: 728). Receava-se a influência do famigerado Chalaça (Francisco Gomes da Silva, mas também de outras figuras, fora da administração imperial). Na Fazenda, Barbacena buscou tratar das questões mais urgentes, aproximando-se dos anseios demonstrados pelos deputados em relatório que rendeu elogios à sua atuação na imprensa, considerando principalmente a sua “constitucionalidade e clareza de ideias” (Jornal do Comércio – 22 de maio de 1830). Seu desempenho não o eximiu de sofrer duras críticas durante a apresentação do orçamento imperial para o ano subsequente. No centro dos questionamentos estavam os gastos com as bodas, o traslado de D. Maria da Glória e dos demais emigrados para o Brasil que fugiam do regime de D. Miguel (AGUIAR 1896: 772).

A análise das contas realizadas na Europa gerou o seu afastamento do cargo para que fosse realizada a averiguação das “grandes despesas” executadas na Caixa de Londres ([1]). O decreto exarado nessa ocasião caiu como uma bomba na Câmara, sobretudo pelo fato de chamar atenção para tais despesas consideradas excessivas. Como forma de se defender de tais acusações Barbacena redigiu uma Exposição em resposta às imputações que lhe têm sido feitas por ocasião do Decreto de 30 de setembro que o demitiu do Ministério da Fazenda em que respondia uma a uma as acusações proferidas sobre o seu trabalho nas missões brasileiras na Europa.

A primeira acusação afirmava que o ministro havia ocultado “a verdade à Câmara” sobre os negócios portugueses, principalmente em relação aos emigrados e o apoio financeiro oferecido pelo Império a esses homens. Mencionando também a suposta suspensão do pagamento dos juros do empréstimo português de 1825, obrigação que dizia respeito ao tratado de 29 de Agosto desse ano. A segunda o imputava por não esclarecer a Assembleia sobre as somas despendidas com o casamento real e o transporte da imperatriz. E por fim, a terceira, atribuía a ele suspeitas de conluio com Miguel Calmon du Pin e Almeida[2] por apresentarem-se aos cargos nos ministérios da Fazenda e Negócios Estrangeiros, respectivamente, sem esclarecer esses gastos passados (BN II-31,2,21 n° 04).

As justificativas apresentadas pelo ex-ministro marquês de Barbacena reafirmavam que a supressão do pagamento das parcelas dos juros a Portugal era fruto do golpe impetrado por D. Miguel ao Reino português, e que os valores haviam sido entregues à missão envolvendo a causa de D. Maria II. No âmbito dos gastos realizados pela missão na Europa, destacava os decretos que ratificavam a aprovação das contas pelo imperador antes mesmo que ele assumisse o ministério. Profundamente ressentido com as atitudes tomadas pelo parlamento com a anuência do imperador, o marquês redigiu uma longa e conhecida carta, em 15 de dezembro daquele ano de 1830, transcrita integralmente pelo biógrafo Antônio Augusto de Aguiar (1896: 803-810). Foi um desabafo, mas se tornou mais conhecida por ter sido considerada um vaticínio sobre a queda do Império de D. Pedro I nos meses seguintes. Na missiva, Brant aconselhava o herdeiro da dinastia de Bragança à “mudança de sistema e a pronta identificação com os brasileiros”, abrindo espaço para um debate latente entre os opositores de D. Pedro, que questionavam o seu comprometimento com o Brasil em detrimento das “questões portuguesas” (AGUIAR 1896: 808).

As disputas entre os núcleos políticos da Câmara dos Deputados não representavam ainda a constituição de uma nacionalidade brasileira. Mas proporcionavam um espaço de debate em torno da experiência do constitucionalismo no Brasil, da atuação do imperador e, consequentemente, do governo absolutista de D. Miguel em Portugal. Ao assumir e dar ênfase às questões que envolveram a causa de D. Maria II, Barbacena buscava dar ao Império do Brasil um destaque internacional, principalmente diante das abdicações realizadas por D. Pedro ao trono português. O próprio marquês ressaltava em carta enviada ao monarca em 23 de Outubro de 1828 que esse seria o momento de “socorrer da desgraça aqueles mesmos que combatiam contra a nossa liberdade”, ao retomar as condições estabelecidas pelo governo português ao Brasil para o reconhecimento da sua independência. Projetando uma atuação política que não custaria novos dispêndios ao Império, visto que a “suspensão dos juros do empréstimo português seriam mais que suficientes para a guerra de Portugal”, o marquês buscava os meios de transformar a causa da rainha-infanta em uma causa do Brasil (PEIXOTO 2022: 198).

Ao colocar a atuação do marquês de Barbacena nas cortes europeias no centro do debate político da Câmara dos Deputados, as questões que se projetaram saíram em contexto distinto ao esperado pelo próprio imperador. Deslocando-se ao centro do debate a maneira como mais uma vez D. Pedro permitia que despesas fossem realizadas no exterior sem a prévia aprovação da Assembleia Legislativa e sem estarem devidamente previstas na Lei do Orçamento. Ao debate público emergiu ainda mais claramente os efeitos que a chegada dos emigrados portugueses gerava aos cofres públicos brasileiros. Inclusive em torno de projetos que buscavam promover a distribuição de terras aos exilados que não possuíssem os meios para se estabelecerem na América (ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS DE 1830, I – 1878: 109). E que foram ratificados pela Fala do Trono de 1830, em que o imperador recomendava à Assembleia Geral o “cuidado e filantropia aos emigrados portugueses”. Aspectos que contribuíram diretamente para os eventos políticos em torno da abdicação (CALMON 1977: 127). Portanto, o marquês de Barbacena, direta ou indiretamente, esteve no centro dos desdobramentos que a chamada questão portuguesa teve para o Império do Brasil e também para o enfrentamento ao miguelismo no contexto Atlântico.

Fontes

Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

– MELO MORAIS, Alexandre José de. Marquês de Barbacena e o casamento do imperador d. Pedro I com a princesa Amélia 1830. Dr. Melo Morais: Contém: Carta do Marquês de Barbacena ao visconde de Alcântara; Exposição do Marquês de Barbacena em resposta às imputações que lhe têm sido feitas por ocasião do Decreto de 30 de setembro deste ano que o demitiu do Ministério da Fazenda. Sessão de Manuscritos II-31,2,21 nº04.

Biblioteca Digital do Senado Federal

– Carta de Barbacena para d. Pedro I, em 15 de dezembro de 1830. In: AGUIAR, Antônio Augusto. A vida do Marquês de Barbacena. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1896. Acesso em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/242349.

Hemeroteca Digital Brasileira

Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 22 de maio de 1830.

Anais da Câmara dos Deputados

Sessão de 11 de maio de 1830, Tomo I.

Referências bibliográficas

– AGUIAR, Antônio Augusto. A vida do Marquês de Barbacena. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1896. Acesso em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/242349
– ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. “Uma nobreza da terra com projeto imperial: Maximiliano de Oliveira Leite e seus aparentados”. In: ALMEIDA, Carla Maria; FRAGOSO, João Luís; SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. (orgs.). Conquistadores e Negociantes: Histórias das elites no Antigo Regime nos trópicos. América lusa, séculos XVI a XVIII. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
– CALMON, Pedro (org.). Falas do Trono. Desde o ano de 1823 até o ano de 1889. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1977.CALÓGERAS, João Pandiá, 1870-1934. O Marquês de Barbacena. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1982.
– GONÇALVES, Andréa Lisly; SILVA, Luiz Gustavo Martins da. A contrarrevolução miguelista e o exílio político liberal: Portugal e Brasil (1828-1834). (2024). Almanack36https://doi.org/10.1590/2236-463336ed30223.
– PEIXOTO, Rafael Cupello. O marquês de Barbacena: política e sociedade no Brasil imperial (1796-1841). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2022.
______. O poder e a lei: o jogo político no processo de elaboração da “lei para inglês ver” (1826-1831). Dissertação de Mestrado. Niterói, PPGHUFF, 2013.

[1] Trata-se das contas brasileiras dos gastos realizados pelos ministros plenipotenciários enquanto representantes do Império do Brasil em Londres. Na qual também se inserem amortizações dos empréstimos, letras pagas, entre outros.

[2] Miguel Calmon du Pin e Almeida foi o futuro visconde com grandeza e marquês de Abrantes no Brasil.

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