Daniel Estudante Protásio (Centro de História da Universidade de Lisboa)
O conde de Bourmont (2 de Setembro de 1773-27 de Outubro de 1846) foi marechal de França e marechal-general do Exército de D. Miguel, na senda do marechal-general graduado duque de Wellington (1809) e do marechal-general efectivo visconde de Beresford (1816).
Serve, com o pai, sob o comando do príncipe de Condé no Exército do Reno, em 1791 e, mais tarde, do conde de Artois, futuro Luís XVIII (1796-1797). Participa no movimento de insurreição armada da Chouannerie, em 1798 e 1799.
No seguimento da conspiração de 2 de Dezembro de 1800 contra Napoleão I, Bourmont é preso por ordem de Joseph Fouché, durante três anos e meio, evadindo-se a 5 de Agosto de 1804. Refugia-se em Portugal, primeiro ao serviço do regente D. João, depois de Junot, que serve, entre 1805 e 1808, enquanto chefe de Estado-Maior da divisão Loison (PIRES 1940: 385). Sem a protecção de Junot, é de novo colocado sob prisão, no regresso a França, de finais de 1808 a Maio de 1810.
Serve com bravura e inteligência no Exército napoleónico de Itália, na batalha de Leipzig e na Rússia, sendo promovido a general de divisão em Fevereiro de 1814 (aos 30 anos). Luta pelos Bourbons, por Napoleão nos Cem Dias e, de novo, por Luís XVIII e pelo seu irmão, Carlos X de França, entre 1815 e 1830.
Parte com o duque de Angoulême para Espanha, para restaurar a monarquia tradicional de Fernando VII, em 1823 (expedição dos Cem mil filhos de São Luís). Quando regressa, é feito par do reino.
A 9 de Agosto de 1829 é nomeado ministro da Guerra no ministério ultra-realista do príncipe de Polignac. Comandante-em-chefe das tropas que conquista a Argélia em 1830. A 15 de Julho desse ano, escassas semanas da revolução liberal, é designado marechal de França. Serve a causa legitimista francesa, da duquesa de Berry e do conde de Chambord, até 1832.
Desde pelo menos Dezembro de 1832 que António Ribeiro Saraiva, secretário de legação de D. Miguel em Londres, está em contacto directo com o conde de Bourmont, exilado na capital britânica desde Novembro de 1830 (Pires 1940; 387). Quem serve de intermediário à negociação da contratação do marechal de França é o marechal-general Beresford, o mesmo que regressara a Portugal em Outubro de 1823 e que esteve presente aquando da Abrilada (1824). Como diz Satúrio Pires, em texto pouco conhecido de 1940 sobre o conde de Bourmont, William Carr Beresford não aceita ser ele o comandante do exército de operações sobre o Porto, por se dar o “caso curioso” de ir encontrar nos postos superiores da hierarquia militar portuguesa os oficiais-generais que em 1820 “tinham imposto a sua exoneração do comando do Exército e pronto regresso a Inglaterra: Peso da Régua, Póvoas, Santa Marta, Teles Jordão e outros” (Pires 1940: 387 e Valente 2018: 83).
A 20 de Maio de 1833 o duque de Cadaval, marechal graduado do Exército, informa António Ribeiro de que se deseja a vinda do marechal francês para liderar as tropas de terra, assim como se negoceia a vinda do capitão-de-mar e guerra Henry Elliot para comandar as de mar (Pires 1940: 387-388).
A 23 de Junho seguinte, o conde de Bourmont regressa de Genebra a Londres. Na tarde do dia seguinte, “faz a sua apresentação a [António] Ribeiro Saraiva”. Dias depois, o enviado português “dá-lhe ideia «cortesãos, dos intrigantes que rodeiam El-Rei, dizendo-lhe qual era o carácter e valor de várias pessoas com quem tinha que tratar quando chegasse a Portugal. Indicando-lhe [o] quanto era necessário que ele ajudasse, com a influência grande que necessariamente havia de ter, a pôr mais alguma ordem no governo e andamento das cousas». E acrescenta, ainda, o Diário [de Ribeiro Saraiva]: «Ajustei com ele, sobre estes pontos, [que] nos entenderíamos por escrito e disse-lhe que convinha, sobretudo, que ele pedisse a El-Rei que todas as comunicações entre ele e Sua Majestade, que não fossem presenciais, fossem por meio e intervenção do duque de Lafões (irmão do de Cadaval)». E por fim: «As principais razões que dei foram que convinha, sobretudo, tratar e pôr os negócios em mãos de gente de bom carácter, de verdadeiro zelo e desejo de bem público e que, muito especialmente, fossem superiores às intrigas das camarilhas e das sevandijas do Paço» (Pires 1940: 390).
A 1 de Julho é assinada a convenção com Bourmont. A10 desembarca, mais o seu estado-maior, na praia de Azurara (Vila do Conde, Idem, Idem, p. 396). A 14, no paço real de Leça do Bailio, o conde de Barbacena é promovido a marechal do Exército, enquanto Bourmont lhe sucede enquanto chefe de Estado-Maior do Exército, com a patente de marechal-general (Pires 1940: 392 e 395).
Decretos
Tendo Eu pela Carta Régia da data de hoje nomeado ao Marechal de França, Conde de Bourmont, Marechal General dos Meus Reais Exércitos, junto à Minha Real Pessoa e Chefe do Meu Estado Maior General, Sou servido exonerar Ao Conde de Barbacena do referido Cargo de Chefe de Estado Maior General, devendo continuar a servir interinamente de Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Guerra. O mesmo ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Guerra o fique assim entendendo. Paço em Leça de Bailio, aos catorze de Julho de mil oitocentos e trinta e três. = Com a rubrica de SUA MAGESTADE.
Tendo atenção aos Serviços que Me tem feito o Conde de Barbacena, Tenente General Graduado dos Meus Reais Exércitos, que pelo seu valor e talentos militares tem merecido a Minha consideração, sou servido promovê-lo a Marechal dos Meus Reais Exércitos, com todas aquelas prerrogativas e preeminências que competem a tal posto. O Ministro e Secretário de Estado que interinamente serve nos Negócios da Guerra, assim o tenho entendido e expeça os despachos necessários. Paço em Leça de Bailio, em catorze de Julho de mil oitocentos e trinta e três anos. = Com a rubrica de SUA MAGESTADE” (Gazeta de Lisboa n.º 172, de 23-3-1833, p. 890).
Nesse momento, o visconde de Veiros, o primeiro dos quatro marechais de D. Miguel, já faleceu: a 6 desse mês, aos 85 anos. O segundo e mais antigo dos marechais é o duque de Cadaval. Fica descontente com o facto de ser mais antigo e apenas graduado, face à nomeação do conde de Barbacena, conforme revela ao visconde de Santarém. Essa alteração da hierarquia militar, encimada, de novo, por um estrangeiro (tal como sucedera com Wellington e Beresford), vem criar considerável mal-estar entre as elites politicas e sociais miguelistas.,
Bourmont ocupa as funções de comandante-em-chefe do Exército de Operações sobre Lisboa até 19 de Setembro de 1833, quando pede demissão dessas funções. A incapacidade demonstrada em reconquistar a capital, assim como as críticas dos sectores ultra-realistas, acusando-o de traidor e de vendido aos liberais, fazem-no cortar com a causa legitimista portuguesa (Pires 1940: 396 e 410-413).
Fontes
COSTA, Coronel António José Pereira da (Coord.), Os Generais do Exército Português, II Vol., I t., Lisboa, Biblioteca do Exército, 2005, nº 19-0399, p. 253.
PIRES, Eurico Satúrio, “O Marechal-conde de Bourmont em Portugal (Julho a Setembro de 1833)”, Sexto Congresso do Mundo Português, 1940, p. 385.
VALENTE, Vasco Pulido, O Fundo da Gaveta, Lisboa, Publicações D. Quixote, 2018, p. 83.
VICENTE, António Pedro, O recrutamento de militares no estrangeiro – de Schaumbourg Lippe a William Beresford (Separata das Actas do IV Colóquio A História Militar de Portugal no Século XX), 1993.
Gazeta de Lisboa nº 172, de 23 de Março de 1833, p. 890 e Ordens do dia nº 83.