Projecto Arquivos e Estudos do Miguelismo

4º Marquês de Tancos

Daniel Estudante Protásio (Centro de História da Universidade de Lisboa)

D. Duarte Manoel de Meneses e Noronha (1775-1833), 4.ºmarquês de Tancos e 9.º conde de Atalaia, ajudante-general do Estado-Maior General do Exército e tenente-general graduado, sob D. Miguel, foi uma das mais destacadas personalidades de entre as elites da regência e reinado de Dom Miguel. A sua ascensão na hierarquia militar não se fica a dever a mera cortesia honorífica, pois combate aquando das Invasões Francesas.

O 4.º marquês nasce a 8 de Setembro de 1775, filho dos terceiros marqueses, e morre em Coimbra a 18 de Agosto de 1833, de cólera-morbo, a poucos dias de completar 58 anos.

Em virtude dos serviços prestados à coroa, pelo 3.º marquês de Tancos (pai do 4.º), a Casa de Atalaia teve os seus bens patrimoniais ribatejanos muito aumentados, em mouchões (ilhotas no Tejo) e capelas.

O título de conde de Atalaia é renovado por Carta de 26 de Abril de 1790, em vida do 3.º marquês de Tancos (1743-1807), na pessoa do seu filho. O título de marquês de Tancos, atribuído por Dom José I ao 6.º conde de Atalaia (1679-1761), por Carta de 22 de Outubro de 1751, é renovado neste titular por Carta de 4 de Abril de 1795, também em vida do pai.

Pelo seu papel central na vida militar daquela regência e reinado, o 4.º marquês é equiparado a Secretário de Estado, situação única entre os miguelistas e rara no primeiro terço do século XIX português, tanto quanto se sabe.

O início da sua carreira militar não é ainda bem conhecido, nomeadamente, quando assenta praça. Sabe-se que, de 1800 a 1803, exerce o cargo de governador da Torre de Belém. Sucede, assim, ao 2º duque de Lafões (1799-1800) e ao seu pai, 3º marquês de Tancos (1788-1799).

Tanto o seu avô quanto o seu pai foram oficiais-generais do Exército: o 2.º marquês (1693-1779) foi tenente-general e Conselheiro da Guerra e o 3.º (1743-1807) marechal-de-campo.

O 4.º marquês de Tancos contrai matrimónio, a a 11 de Agosto de 1806, com D. Leonor Maria da Silva (1784-1815), filha dos segundos marqueses de Vagos, tornando-se, desse modo, cunhado do 3.º marquês de Vagos (1793-1834), oficial de infantaria que também serviu militarmente o regime de Dom Miguel, além de ter sido, de modo semelhante, par do reino aquando do Primeiro Cartismo (1826-1828).

Tancos combate na Guerras Peninsular, ocorrida entre 1808 e 1814.

Tenente-coronel a 5 de Janeiro de 1809 (aos 33 anos), com exercício do cargo de ajudante-de-ordens do governador das Armas da Corte e Província da Estremadura.

Coronel a 5 de Fevereiro de 1812 (aos 36), com nomeação para o Estado-Maior.

É afirmado que o marquês desempenha as funções de inspector e 1º membro da Junta da Saúde Pública (Zúquete III 1984: 417), mas até ao momento actual, apenas se consegue apurar que Tancos é nomeado membro da Junta Saúde Pública criada por decreto de 28 de Agosto de 1813, para evitar a contaminação por peste que grassava na ilha de Malta e no porto mediterrânico de Alexandria (Colecção de regimentos 1819: 79-83 e 86). Tal nomeação data de 24 de Setembro seguinte. A 30 do mesmo mês, é oficiado ao marquês de Tancos que

Ordena o Príncipe Regente, Nosso Senhor, que as representações ou pareceres da mesma junta sejam transmitidos à Sua Real Presença por V.ª Ex.ª, e não pelo provedor-mor da Saúde [da Corte e do Reino], como no regimento que acompanhava a portaria da criação se acha determinado. Tendo igualmente Sua Alteza Real determinado que as Suas Soberanas Resoluções sejam comunicadas a V. Ex.ª. O que tudo V. Ex.ª fará constar na mencionada junta para sua inteligência. Deus guarde a V. Ex.ª Palácio do Governo, em 30 de Setembro de 1813. D. Miguel Pereira Forjaz. Senhor Marquês de Tancos (Colecção de regimentos 1819: 86).

Ou seja, o marquês passa a ser o interlocutor privilegiado do regente na junta da Saúde Pública, por razões funcionais, e de confiança política no seu julgamento e capacidade de decisão.

Brigadeiro a 12 de Outubro de 1815, poucas semanas depois de atingir quarenta anos de vida.

Sócio honorário da Academia das Ciências de Lisboa a 8 de Abril de 1817 (Dicionário Popular.. de Pinheiro Chagas, «Académicos (Catálogo dos), honorários…, vol. I, p. 59)

Ricardo Raimundo Nogueira menciona, relativamente a 14 de Março de de 1818, que:

Dois ou três dias depois da prisão dos sentinelas [a 23 de Fevereiro], o Marquês de Tancos, como Chefe da Junta da Saúde, oficiou ao Marechal [-General William Carr Beresford] dizendo-lhe que tendo-lhe o comandante da canhoneira participado que Sua Excelência havia mando prender aqueles soldados, e sem que pretendesse indagar os motivos deste procedimento, desejava simplesmente que Sua Excelência lhe fizesse saber se a prisão duraria muito tempo, para nesse caso mandar substituí-los por outros da guarnição da canhoneira (NOGUEIRA 2012: 322).

Marechal-de-campo a 13 de Maio de 1820 (aniversário natalício de D. João VI), aos 44 anos.

Durante os meses de Outubro e Novembro de 1820, em pleno Vintismo, o marquês continua responsável pela Junta da Saúde Pública, conforme correspondência que lhe é expedida por Matias José Dias Azedo e por Manuel Fernandes Tomás, membros do governo provisório, existente no Arquivo da Casa Atalaia, depositada no Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

A 28 de Fevereiro de 1824, data em que o 1.º marquês de Loulé é assassinado no palácio de Salvaterra de Magos, Tancos acompanha o infante Dom Miguel, assim como o respectivo secretário particular, o barão de Molelos e de João Baptista Bandeira, ajudante-de-campo do infante (Lousada & Ferreira 2006: 57).

Durante a primeira vigência da Carta Constitucional, entre 1826 e 1828, é par do reino e secretário da mesa da respectiva câmara, e um dos membros da câmara alta que contesta, a 3 de Novembro de 1826, o projecto de regimento da câmara dos pares enviado pelo governo (CASTRO 2002 II: 322).

O memorialista liberal marquês de Fronteira surpreende-se com o apego de alguns pares à respectiva farda, sobretudo entre eles o duque de Cadaval, o marquês de Tancos e o conde de Mesquitela, que apelida de “façanhudos miguelistas” (Lousada & Ferreira 2006: 141). Vale a pena deixar aqui transcrita a deliciosa passagem na qual Fronteira exprime espanto pela realidade política que vem encontrar, nos salões lisboetas do Primeiro Cartismo, em 1826:

Saindo de Benfica e entrando na sociedade que, naquela época, era muito animada na capital, fiquei maravilhado da revolução que tinha havido na mesma sociedade e da mudança de opiniões políticas em grande parte da aristocracia. Os fidalgos que, com tanto entusiasmo, haviam proclamado o absolutismo em 1823 [aquando da Vilafrancada], lisonjeavam-se com o pariato e parecia que se tinham tornado liberais. Chegava a ser um pouco caricato o muito que apreciavam o pariato hereditário, não largando a farda de Par nas mais pequenas soirées e, quando a largavam, vestiam um fraque azul com uns botões imensos, em que estavam gravados o manto de Par e a legenda: Par do Reino. Lembro-me de ser dito a alguns que, para a obra ser completa, faltava o nome do digno Par, o que seria útil, para evitar o trabalho duma apresentação. Encontrava os mais façanhudos miguelistas de 1828, como o duque de Cadaval, o marquês de Tancos e o conde de Mesquitela e outros muitos, não largando o honroso uniforme e pregando, de missão, a favor da Carta Constitucional e do novo monarca (Fronteira III-IV: 108 e 112-113].

Tal como no caso da monarquia francesa, sob Luís XVIII e Carlos X, o pariato encontrou considerável adesão por parte de alguma da aristocracia portuguesa mais conservadora, pela preponderância político-institucional que lhe é concedida, ao contrário do que acontecia sob constituições unicamarais, como a de 1822. A moda de vestuário, tal como a moda das ideias políticas, necessita de uma contextualização integradora: enquanto Dom Pedro IV é encarado, por muitos aristocratas moderados, enquanto rei legítimo, outorgante de um cartismo restaurador dos privilégios políticos e sociais nobiliárquicos, mesmo que revoltas militares anticartistas ocorressem um pouco pelo reino, tal como sucede em 1826 e 1827. Outra é a situação, e o posicionamento, depois do regresso de Dom Miguel ao reino, da organização do ministério, a 26 de Fevereiro de 1828, e da necessidade de responder, de forma ordeira e legitimadora, à aclamação dita popular da sucessão em Dom Miguel, ocorrida a 25 de Abril de 1828.

Nessa ocasião, dia do aniversário de Dona Carlota Joaquina, o regente Dom Miguel ordena ao marquês de Tancos que mande recolher a tropa aos quartéis (Lousada & Ferreira 2006: 113).

O marquês de Tancos está presente, com os irmãos marquês de Viana e conde de Seia, no braço da nobreza reunido aquando das cortes tradicionais de Lisboa de 1828. Era cunhado de dois outros importantes titulares miguelistas, os marqueses de Belas e de Borba, também ele membros desse estamento. Representa-se a si mesmo e ao conde da Bobadela (SANTARÉM 1919 V: 524-525).

É agraciado com as comendas das ordens militares de Cristo e da Torre e Espada.

Ajudante-general do Estado-Maior-General do Exército a 26 de Maio de 1828, aquando do início da Belfastada; era então chefe de Estado-Maior-General o conde de Barbacena. Enquanto chefe da Repartição do Ajudante-General (a qual administrava as funções de Pessoal), o marquês de Tancos era um dos mais destacados administradores militares portugueses (neste caso, do Exército), equiparado ao chefe da Repartição do Quartel-Mestre-General (com funções de Logística), ambos apoiados por uma Secretaria Militar e sob a liderança do chefe de Estado-Maior-General.

Acompanha a viagem do rei Dom Miguel e da infanta Dona Maria da Assunção, entre 5 e 14 de Agosto, por várias povoações, partindo de Queluz e chegando à Batalha, Marinha Grande e Óbidos. Seguiam, igualmente, os marqueses de Belas (enquanto camarista) e de Alvito (estribeiro-mor). O marquês de Belas cavalga, a 8 de Agosto, na companhia do rei e de Tancos, aquando da chegada a Alcobaça (Lousada & Ferreira 2006: 158 e 160).

Graduado em tenente-general a 26 de Outubro de 1832, aniversário natalício de D. Miguel, poucos meses antes de o marquês falecer (ORDENS DO DIA de 1832, nº 75, de 26 de Outubro, p. 1).

Afirma o memorialista Francisco de Paula Ferreira da costa sobre a morte do marquês:

O Marquês de Tancos também morreu dois dias depois de chegar a Coimbra com El-Rei, estando em boa disposição e havendo-lhe eu falado na véspera de sua morte e discorremos por espaço de meia hora sobre o triste estado a que os negócios tinham chegado (COSTA 1982: 68).

Não existindo, processo individual do marquês de Tancos no Arquivo Histórico Militar, segundo informação apurada, sobrevive correspondência corrente dispersa por várias trocas de ofícios no Inventário de documentos do Governo de D. Miguel (1828-1834), 1.ª Divisão, 20.ª Secção, entre outros, com o visconde de Veiros e duque de Cadaval, marechais interinos do Exército.

FONTES

MANUSCRITAS

– Ofícios expedidos ao marquês de Tancos, no âmbito da Junta da Saúde Pública, por Matias José Dias Azedo e por Manuel Fernandes Tomás, membros do governo provisório, datados de 28 e 31 de Outubro, e 1 de Novembro de 1820 (Documentos do Arquivo da Casa Atalaia, depositados no Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa).

IMPRESSAS

– COSTA, Coronel António José Pereira da, Os Generais do Exército Português, II volume, I tomo, Lisboa, Biblioteca do Exército, 2005, n.º 19-0199, pp. 121-122.
– COSTA, Francisco de Paula Ferreira da, Memórias de um miguelista 1833-1834 (prefácio, transcrição, actualização ortográfica e notas de João-Palma Ferreira), Lisboa, Editorial Presença, 1982.
– CASTRO, Zília Osório de (Dir)., Dicionário do Vintismo e do Primeiro Cartismo (1821-1823 e 1826-1828), vol. II, Assembleia da República/Edições Afrontamento, p. 322.
– CHAGAS, Manuel Pinheiro (Dir.), “Académicos (Catálogo dos) honorários da Academia Real das Ciências, desde a sua fundação até hoje”, in Dicionário Popular Histórico, Geográfico, Mitológico, Biográfico, Artístico, Bibliográfico e Literário (Dirigido por….), vol. I, Lisboa: Lallemont Frères, 1876, p. 59.
COLECÇÃO DE REGIMENTOS, por que se governa a Repartição da Saúde do Reino, e portarias, avisos e resoluções da Junta da Saúde Pública e editais por ela publicados. Mandada reimprimir pela mesma Junta, em observância de Aviso expedido pela Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha, em data de 25 de Outubro de 1819. Lisboa: Impressão Régia, 1819.
GAZETA DE LISBOA, nº 259, de 1 de Novembro de 1832, Lisboa, Impressão Régia, p. 1251.
– FRONTEIRA, Marquês de, Memórias do… e de Alorna, D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto. Ditadas por ele próprio em 1861. Revistas e coordenadas por Ernesto de Campos de Andrada. Parte Terceira e Quarta (1824 a 1833), Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1986 (ed. fac.-sim. da ed. de Coimbra, Imprensa da Universidade, 1926), pp. 112-113.
– LOUSADA, Maria Alexandre & FERREIRA, Maria de Fátima Sá e Melo, Dom Miguel, Lisboa: Círculo de Leitores, 2006.
– MANOEL, D. Diogo Maria d’Orey, Epítome da família Manoel, condes de Atalaya e marqueses de Tancos, Lisboa: Edição de Autor, 2020, p. 47.
– NOGUEIRA, Ricardo Raimundo, Memórias políticas. Memória das coisas mais notáveis que se trataram nas conferências do governo (1810-1820). Transcrição, estudo e edição de Ana Cristina Araújo, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012.
ORDENS DO DIA de 1832, nº 75, de 26 de Outubro, p. 1.
SANTARÉM, 2.º Visconde de, Correspondência do… Coligida, coordenada e com anotações de Rocha Martins (da Academia das Ciências de Lisboa). Publicada pelo 3º Visconde de Santarém, vol. V, Lisboa, Alfredo Lamas, Mota e Cª, Editores, 1919, pp. 524-525.
– ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins (Dir., Coord. e Compil.), Nobreza de Portugal e do Brasil, Lisboa, vols. II, 1984 (2.ª ed.; 1.ª ed. 1960), p. 331, e III, 1984 (2.ª ed.; 1.ª ed. 1961), pp. 413 e 457.

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