Daniel Estudante Protásio (Centro de História da Universidade de Lisboa)
Álvaro José Xavier Botelho de Portugal Coronel Sousa e Meneses de Noronha Correia de Lacerda, 6.º conde de São Miguel, nasce em Setúbal a 16 de Dezembro de 1771 e morre a 21 de Agosto de 1850, aos 78 anos, filho dos quintos condes de São Miguel.
O pai, o 5.º conde de São Miguel (1737-1785), foi coronel de Infantaria.
O historiador Nuno Gonçalo Monteiro documenta, no seu clássico estudo O crepúsculo dos Grandes (1750-1832), a situação de endividamento desta Casa Senhorial:
A casa dos condes de S. Miguel, como tantas vezes se referiu, arrastava uma antiga e pesada dívida. Já em 1776, quando a Misericórdia [de Lisboa] demandava o 4.º conde (1708-1789), a situação era tal «que fez dizer ao mesmo conde […] que ele sucedeu, em huma casa imaginaria, sem dela receber mais do que alimentos» (MONTEIRO 1998: 401).
O jovem herdeiro desta Casa assenta praça, enquanto cadete, a 6 de Maio de 1783 (aos onze anos), sendo sucessivamente graduado em alferes a 28 de Fevereiro de 1791 (com 19 anos).
O título condal é-lhe concedido por Carta de 26 de Março de 1793 (aos 21 anos), pelo qual sucede ao avô, o 4.º conde de São Miguel (1708-1789).
Promovido a tenente a 1 de Junho de 1794 (aos 22).
Com 24 anos de idade, contrai matrimónio a 14 de janeiro de 1795 com D. Constança Leonor da Câmara e Meneses (1772-1827).
Graduado em major a 26 de Março de 1797 (com 26 anos de idade), com exercício de ajudante-de-ordens do marechal-general 2.º duque de Lafões. Major efectivo a 16 de Março de 1801 (29 anos), no regimento de Vieira Teles (depois Infantaria 6), com o qual participa na Guerra das Laranjas.
A 21 de Outubro de 1801 falece o seu filho único, Fernando José Xavier Botelho, nascido a 23 de Março de 1796.
O conde é promovido a tenente-coronel a 17 de Dezembro de 1805 (um dia depois de perfazer 24 anos), passa para o regimento de Infantaria 24.
Em 1807 é maçon (DIAS 1980: 471, n. 2).
Serve a França sob Junot, no regimento de Infantaria 7, «com o qual fez a campanha da Rússia, integrado nos exércitos napoleónicos (ZÚQUETE III: 340). É um dos militares portugueses escolhido para fazer parte da Legião Portuguesa, assim como os marqueses de Alorna, Loulé, Ponte de Lima e Valença, o visconde de Asseca, Gomes Freire de Andrade, Álvaro Xavier da Fonseca Coutinho e Póvoas e Cândido José Xavier (DIAS 1980: 501-502).
A casa senhorial dos condes é
sequestrada quando o 6º Conde (1771-1850) foi combater a «soldo de França» na Campanha da Rússia (MONTEIRO 1998: 401).
São Miguel entra em Portugal aquando da Terceira Invasão Francesa, em Julho de 1810, integrado no Estado-Maior de Massena (DIAS 1980: 553).
Aquando da repressão da Setembrizada de 1810, o conde de São Miguel continuar a pertencer à maçonaria (LOPES 2003: 35).
Acusado de colaboracionismo,
por sentença [judicial], foi privado dos títulos, honras e bens e condenado à morte; mas, provando-se, depois, que todos os seus actos foram dignos e patrióticos, pois seguira para França, por ordem do governo, quando a guerra ainda não estava declarada àquela nação, e assim que disso tivera conhecimento pedira a demissão sem que esta lhe fosse aceita, procurando, a seguir, com grande risco e por diversas vezes, evadir-se para Portugal, e, devido às muitas provas que havia a seu favor, foi revogada a sentença anterior, sendo reconduzido em todos os seus títulos, honras, privilégios, dignidades e bens (ZÚQUETE III: 340).
Referindo-se ao ano de 1824, Nuno Gonçalo Monteiro escreve que
Rapidamente fez o conde novos empenhos, pois em 1824 refere-se que as suas dívidas excederiam 96 contos. Na sequência da publicação naquele ano do Decreto de 30 de Julho (sobre juízos privativos e administrações judiciais), vendo-se com as suas rendas pagas antecipadamente e consignadas, solicitou e obteve a sua suspensão; em 1829 o seu restabelecimento; e, por fim, em 1830, uma significativa anulação de arrendamentos, embora com restrições! (MONTEIRO 1998: 401).
Nomeado par do reino a 30 de Abril de 1826, toma posse a 31 de Outubro seguinte. Intervém amiúde nos trabalhos da câmara alta do parlamento, sob o 1.º Cartismo, entre 2 de Novembro de 1826 e 12 de Janeiro de 1827:
- na comissão do regulamento interno da câmara, da qual é relator;
- no debate sobre a necessidade (ou não) de os pares a exercerem funções diplomáticas jurarem presencialmente, ou à distância, enquanto membros da respectiva câmara;
- sobre recrutamento e dissolução do corpo de polícia;
- na comissão que deveria emitir parecer sobre a o encerramento da Universidade de Coimbra e formação do Corpo Académico de Voluntários;
- quanto à matéria de aumento de impostos;
- sobre a necessidade de existir um Dário da Câmara dos Pares, o que infelizmente não é aprovado, perdendo-se um instrumento precioso de acompanhamento dos debates (J. T. A., in CASTRO 2002 I: 760-762).
O conde de São Miguel enviúva a 28 de Fevereiro de 1827, quando falece a esposa (1772-1827), com apenas 55 anos de idade.
Presente no braço da nobreza nas cortes tradicionais de Lisboa de 1828 (SANTARÉM 1919 V: 524).
Durante o reinado de Dom Miguel, persistia a situação de instabilidade financeira, e de contencioso judicial, administrativo e ideológico entre a Casa Senhorial dos condes de São Miguel, os seus credores e o Erário Régio, segundo a longa, mas significativa transcrição que se segue, de Nuno Gonçalo Monteiro (com grafia actualizada, para facilitar a respectiva legibilidade):
Mais do que resumir as infindáveis peripécias desta violentíssima disputa entre o conde e os seus (novos) credores, interessa conhecer os argumentos aduzidos pelas partes. Com efeito, particularmente depois do momento do estabelecimento do [primeiro] governo miguelista, a «catilinária contra os credores» do conde assumiu uma nítida politização. Em 1829, quando pediu o restabelecimento da administração judicial, afirmou: «os credores demasiadamente cegos pela ambição, não consultaram os seus próprios interesses, para desenvolverem o moderno ódio contra a Nobreza: porque todos, quase a um tempo, caíram, com penhoras, sobre quantos rendimentos tinha a Casa [Senhorial]. Os nobres são, nas monarquias, os degraus do trono, para merecerem uma contemplação indispensável à sua conservação, quanto digna dos seus soberanos, e Vossa Majestade [Dom Miguel], e seus Augustos Predecessores, sempre costumaram, em circunstâncias ainda menos apuradas que as do suplicante, acudir à Nobreza, salvando-a da indigência, e obscuridade. Em 1830, o conde retomará, ainda e sempre, os mesmos argumentos: «Por isso, não pode haver Nobreza sem Monarquia, nem Monarquia sem Nobreza [segundo o barão de Montesquieu), é do interesse público conservar esta, ainda [que] à custa de algum sacrifício do bem particular: daqui vem a necessidade das administrações [judiciais], quando as Casas do Grande, tocam a sua decadência, seja qual for a causa; da mesma sorte que, por ser por este interesse público o Comércio, se acode ao decadente negociante, permitindo-lhe à apresentação de falido, para depois voltar ao seu comércio […] é no mesmo bem público que se hão-de fundar as mais medidas de que se precisam, porque sem elas não pode existir a Casa [Senhorial], nem a decência do nobre, indispensável nas monarquias». Mas, desta feita, o conde levará muito mais longe as insinuações contra os negociantes-rendeiros-credores que em requerimento impugnavam as suas pretensões. O referido «papel», segundo diz, «respira o espírito vertiginoso, inquieto, demagógico e enfim revolucionário dos signatários», sugerindo a sua similitude com as Archotadas de 1827, pois «ao modo de requererem, parece se lembram das expressões daqueles que diziam usar do direito de petição, querendo por aquele modo que esta Nação, pela democracia, caísse na anarquia» (MONTEIRO 1998: 401-402).
Em 1829-1830, São Miguel é acusado, pelos credores, de não ter
mulher, nem família, nem emprego do Real Serviço (MONTEIRO 1998: 402).
Nessa altura, andava de carruagem de aluguer (o que era considerado uma verdadeira indecência) e, segundo informação da Intendência-Geral da Polícia, dedicava boa parte dos seus gastos ao jogo e às senhoras (MONTEIRO 1998: 453 e 458, n. 154).
O conde volta a casar, a 18 de Fevereiro de 1836 (aos 64 anos), desta vez com D. Rosália Desirée Bacot.
O Conde de S. Miguel, que escapara de ser assassinado em 34, tendo-se resolvido rapidamente a emigrar, voltou a Lisboa em Outubro de 37. Apesar das perseguições conseguira falar quer com miguelistas quer com liberais e informou A.R. Saraiva de que estes estavam muito inclinados para o «absolutismo» como única forma de se pôr termo à anarquia. (MÓNICA 1997: 207, n. a).
Segundo informação de 2 de Setembro de 1839, o conde transportaria, de Paris para Portugal, uma carta do visconde de Santarém dirigida ao 8.º conde da Ponte, sobrinho da viscondessa. A 29 desse mês surge a informação de que, por intermédio de S. Miguel, Santarém teria recebido uma epístola do 7º conde da Ponte, seu cunhado (SANTARÉM 1919 VI: 53 e 56). O que é deveras curioso, por apontar para a hipótese de que o conde de São Miguel funcionava enquanto uma espécie de oficial de ligação entre dois mundos, o dos exilados portugueses em Paris, e o dos aristocratas sedeados em Lisboa, como o 7.º conde da Ponte (1797-1852) e o 8.º titular da mesma Casa Senhorial (1816-1874).
Por morte do 6.º conde de São Miguel, a 21 de Agosto de 1850, extingue-se a sua linha dinástica, pelo que, depois de demanda judicial, a sucessão recai no 9.º conde dos Arcos.
Encontra-se sepultado no convento do Rato.
FONTES
– J. T. A., in CASTRO, Zília Osório de (Dir.), Dicionário do Vintismo e do Primeiro Cartismo (1821-1823 e 1826-1828). Lisboa: Assembleia da República/Edições Afrontamento, vol. I, 2002, pp. 759-762.
– DIAS, José Sebastião e Graça da Silva Dias, Os primórdios da maçonaria portuguesa, INIC (Instituto Nacional de Investigação Científica), 1980, vol. I, t. II, pp. 501-502.
– LOPES, António, Gomes Freire de Andrade: um retrato do Homem e da sua Época. Lisboa: Grémio Lusitano, 2003, p. 35.
– MONTEIRO, Nuno Gonçalo, O Crepúsculos dos Grandes. A casa e o património da aristocracia em Portugal (1750-1832), Imprensa Nacional/Casa da Moeda, S.L., 1998, pp. 401-402, 453 e 458, n. 154.
– MÓNICA, Maria Teresa, Errâncias Miguelistas (1834-43), Lisboa, Edições Cosmos, 1997, 207, n. a).
– SANTARÉM, 2.º Visconde de, Correspondência do… Coligida, coordenada e com anotações de Rocha Martins (da Academia das Ciências de Lisboa). Publicada pelo 3º Visconde de Santarém, vols. V e VI, Lisboa, Alfredo Lamas, Mota e Cª, Editores, 1919.
– ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins (Dir., Coord. e Compil.), Nobreza de Portugal e do Brasil, vol. III, 1984 (2,ª ed.; 1.ª ed. 1961), pp. 339-340.