Daniel Estudante Protásio (Centro de História da Universidade de Lisboa)
D. Fernando Maria de Sousa Coutinho Castelo Branco e Meneses (1776-1834), 2.º marquês de Borba, nasce a 26 de Outubro de 1776 (dia de São Miguel), filho dos primeiros marqueses de Borba.
Foi protector de Sequeira, Marcos Portugal e Baldi. «Exímio instrumentista» em concertos de amadores de música, que acolhia na sua residência (Lobo, in CASTRO 2002 I: 176). O pai era cultor das artes e mecenas, recheando o palácio de Santa Marta de obras de arte e abrindo os salões aos artistas da época (Idem, 177). A mãe árcade, foi famosa pela sua piedade religiosa.
Em 1796 casa com D. Eugénia Manoel de Noronha, filha do 3º marquês de Tancos, tornando-se assim cunhado dos futuros 4º marquês de Tancos, 1º marquês de Viana e 1º conde de Seia; e concunhado do marquês de Belas. Tal como vários outros membros da alta nobreza, também Borba singrou na carreira militar, no seu caso, até à patente de tenente-coronel de Cavalaria. Desconhecem-se, para já, pormenores sobre o dito percurso.
O então 14º conde de Redondo assume a 31 de Outubro de 1809, após a 2ª Invasão Francesa, o cargo de governador do reino e de presidente do Erário Régio. Por inerência, desempenha as funções de presidente do conselho da Fazenda e de secretário de Estado dos Negócios da Fazenda. Também por tradição, é designado sócio honorário da Academia das Ciências de Lisboa a 30 de Novembro seguinte. Nesse contexto, foi essencialmente um gestor da profunda crise económica e financeira vivida pelo país, que a conjuntura de guerra e as condições do tratado de 1810 vieram agravar» (Idem, p. 178). Presidente da regência de governadores, assim como o 1º marquês de Olhão, entre 1814 e 1818. Presidente do Erário Régio até 1818, governador do reino até à revolução de 24 de Agosto de 1820, mantém-se enquanto vedor da Casa Real depois dessa data. Figura como um dos governadores que a 1 de Setembro de 1820 assina a proclamação prometendo para breve a reunião das cortes tradicionais.
Remete-se à condição de espectador aquando do Vintismo até 1826. Jura, neste ano, a Carta Constitucional, sendo designado par do reino. A sua actuação no âmbito da câmara dos pares revela a sua condição de homem discreto, mas politicamente inteligente. Alcunhado de Pax Vobis, tal forma de actuação não deve ser confundida com o que Sandra Lobo considera com supostas dificuldades na «reconstrução biográfica» do marquês de Borba», supostamente devidas a «nenhum destaque que mereceu a sua acção como homem de Estado […] para lá dos dados oficiais e das notas deixadas por [marquês de] Fronteira» (Lobo, in CASTRO 2002 I: 176).
Vejamos, aliás, como a sua participação na vida pública do período comprova exactamente o contrário.
É um dos 9 membros da junta régia de 6 de Setembro de 1826, formada para sugerir à câmara alta do parlamento um regime interno (o visconde de Santarém secretariava a junta). Quanto à dita câmara alta, é o marquês eleito para membro das seguintes comissões: de exame do regimento interno proposto pelo governo pelo governo, com relatório a 3 de Novembro a 1826; dos negócios da Fazenda (de 4 de Janeiro de 1827); de exame da idade do marquês de Fronteira (de 3 de Janeiro de 1828); e de infracções da Carta Constitucional (de 7 de Janeiro do mesmo ano), da qual foi presidente. Reitere-se que o exame da idade do memorialista marquês de Fronteira foi tanto mais escusado quanto era conhecida de todos. Fronteira, de resto, era parente de Borba e de boa parte dos membros da comissão de exame da sua admissão na câmara alta. Tratava-se, no fundo, de um acto de vingança pela participação de Fronteira tanto na repressão da sublevação contrarrevolucionária de 1826/27, quanto nas Archotadas de 1827. De resto, o memorialista liberal pagou tal afronta na mesma moeda: retratou os pares do reino futuros miguelistas como fúteis e vaidosos; e classificou como «façanhudos» o duque de Cadaval, o marquês de Belas e o conde de Mesquitela. Tal denominação ainda hoje perdura, sem enquadramento ou explicação dignos desse nome.
Outro contemporâneo, Mouzinho da Silveira tinha o marquês de Borba como um dos membros da câmara dos pares que mais se opunha à dos deputados, câmara alta essa “em cujas bandeiras servia a mais vil, e sórdida aristocracia que a história nos tem feito conhecer” (SILVEIRA 1983: 161 e 163). Este tipo de tirada marcadamente negativa revela sobretudo o desespero de quem sofreu duramente as penas do exílio liberal; e não a inteligência e cultura de um estadista e génio da administração e finanças públicas, como José Xavier Mouzinho da Silveira.
A 12 de Junho de 1827 o visconde de Santarém, ministro do Reino, sugere o marquês de Borba para a pasta da Fazenda: par do reino e “fidalgo que tinha adquirido grande reputação durante o período que esteve à testa da Repartição do Erário [Régio] e que tinha um forte partido na classe dos empregados públicos e [era] interiormente bem visto do Partido Realista” (Idem, ibidem, f. 45). O decreto foi lavrado, mas o marquês, depois de ponderada a nomeação, recusou-a, sobretudo devido à presença de Saldanha no ministério (Santarém 1827, maço 4º, ff. 45-49). O visconde classifica de desastrosa a recusa sucessiva dos três pares conde da Lousã e marqueses de Olhão e Borba: «fez um mal incrível à boa causa, isto é aos interesses monárquicos e à regular confecção do ministério; as consequências dela foram fatais» (Idem, Idem, f. 49).
Por sugestão de 6 de Agosto do visconde de Santarém, Borba é proposto, pelo desembargo do Paço, para censor da imprensa a 4 de Setembro de 1827. Porém, o substituto de Santarém, Gouveia Durão, recusa a nomeação dos pares do reino «pela proximidade da abertura da Câmara [de deputados, porque] ficam impedidos de satisfazer a este encargo» (TENGARRINHA 1993: 160-161).
Conselheiro de Estado, por nomeação de 28 de Fevereiro de 1828 (SANTOS 1884 II: 364 e 483-84 e Gazeta de Lisboa, nº 54, de 3 de Março de 1828: 387).
Presidente do Senado da Câmara de Lisboa, a 25 de Abril seguinte é obrigado a redigir uma petição colectiva para D. Miguel se proclamar rei. Poucas horas depois, explica a situação em conselho de ministros.
Presente na reunião alargada do Conselho de Estado de 2 de Maio de 1828, que decide a convocação das cortes, na qual afirma que a petição da nobreza defendia a convocação das cortes.
Presente nas cortes tradicionais de Lisboa de 1828, enquanto presidente do braço do povo e procurador por Lisboa (tal como José Acúrsio das Neves). No auto de juramento, Borba é um dos membros da comitiva régia, tal como o duque de Cadaval, os marqueses de Borba e de Torres Novas, condes de Redondo (seu filho) e de Belmonte.
Vice-presidente da Academia das Ciências durante todo o reinado de D. Miguel, uma rara honra concedida. os seus discursos oficiais estão disponíveis para consulta em volumes da História e Memórias da Academia. Trata-se de uma preponderância semelhante à que Alexandre Herculano (1910-1877) vai conhecer mais tarde, a partir de 1851.
O memorialista ultra-realista e funcionário régio, Francisco de Paula Ferreira da Costa, menciona demoradamente o 2º marquês de Borba e a sua família, aquando do período posterior à conquista de Lisboa pelos liberais (em 24 de Julho de 1833):
Minha mulher era filha de um antigo e principal criado desta Casa, que morreu Administrador dos Direitos do Pescado Seco. O Marquês de Borba e sua virtuosa mãe, D. Margarida (madrinha de minha mulher) foram os padrinhos do nosso casamento; o mesmo Marquês o foi também do baptismo de minha primeira filha e o Conde de Redondo (que hoje existe) o foi igualmente da 2ª filha, que me morreu. Sempre havia vivido em boa harmonia com toda esta família, porém sem dependência e quando a visitava alguma vez, era deles recebido com satisfação e estima e até me lisonjeava de que merecia pelo meu carácter e procedimento o melhor conceito ao Marquês de Borba. Chegando a Coimbra, sabendo que estavam ali, os fui procurar e confesso com a mais pura verdade que só com o único intento de os cumprimentar; nem os meus sentimentos e modo de pensar me permitiam outras ideias. Qual foi pois a minha surpresa, quando depois de esperar algum espaço, os vejo apresentar todos, que saíam de almoçar, sentarem-se, sem me indicarem assento, tratando-me com a maior frialdade e reserva que me espantou! Nem uma só palavra de satisfação me dirigiram que fosse de interesse para mim, pelo que, tendo apenas passado cinco minutos e fervendo-me a cólera no coração, saí da sua presença bem resolvido a esquecer-me que semelhante família existia. Esta lição me confirmou bem de que quanto mais desgraçado é o homem, mais desprezado é dos outros. Estes soberbos, considerando-me no estado da mendiguez, supuseram que eu lhes ia pedir socorros, não consultando seu próprio estado, nem o meu modo de pensar em todos os tempos, pois sabiam nunca lhe[s] havia pedido o menor favor de consideração e alguns que lhe[s] pedi, apesar de mínimos, nunca foram satisfeitos. Tais foram recolher uma órfã na Misericórdia e fazer entrar meu filho no Erário, sendo Ministro da Fazenda o Conde de Sousa [Soure], seu parente! Eu não refiro senão verdades e por isso devo confessar que não encontrei igual procedimento no 2º filho do Marquês de Borba, o Conde Barão de Alvito, camarista electivo de El-Rei, o qual sempre me tratou, todas as vezes que o encontrava, com a maior distinção e amizade, a ponto que muitas vezes, em Santarém, indo com El-Rei, logo que me via avisava El-Rei com a expressão de «É o nosso Paula» e, parando, me dava o Soberano sua real mão a beijar (COSTA 1982: 140-141).
O marquês de Borba falece a 5 de Março de 1834, «em uma quinta entre Santarém e Chamusca» (conforme informa o dito memorialista), poucos meses depois de completar 57 anos. Recorde-se que o tenente-general graduado marquês de Tancos (cunhado) morrera em Agosto de 1833 com a mesma idade; e que quinze dias depois de Borba, é a vez do marquês de Belas (também cunhado, tenente-coronel) deixar o mundo dos vivos, aos 45 anos.
A marquesa de Borba, D. Eugénia Manoel de Noronha (1776-1846), recorde-se, era irmã do 4º marquês de Tancos. Os marqueses tiveram a fortuna e a clarividência de casarem vários filhos com titulares das melhores casas do reino:
- A primogénita do casal foi 10ª condessa de Atalaia, contraindo matrimónio com o primo, primogénito da Casa de Tancos;
- O secundogénito é o 15º conde de Redondo e, por casamento, 8.º conde de Soure (1797-1863), herdeiro da Casa de Borba, ajudante-de-campo de D. Miguel.
- António Luís de Sousa Coutinho Castelo Branco e Meneses casa com a baronesa de Alvito, herdeira da Casa do marquês de Alvito.
- D. Francisca de Paula Luísa de Sousa Coutinho (1814-1888) contrai matrimónio com o 2º conde da Lapa.
- Por fim, D. Maria Francisca Luísa de Sousa Coutinho é, pelo matrimónio, 8ª condessa de Pombeiro, pelo seu casamento com o herdeiro da Casa Senhorial de Belas, e mãe do 3º marquês deste título.
FONTES
– ARAÚJO, José Maria Xavier de, A Revolução de 1820. Memórias (Introdução de António Ventura), Lisboa, Caleidoscópio/Centro de História da Universidade de Lisboa, 2006, p. 102.
– CARRILHO, Luiz Pereira, Os oficiais d’El-Rei Dom Miguel (Introdução e índices Nuno Borrego e António de Mattos e Silva, Lisboa: Edições Guarda-Mor, 2006, pp. 5, 10 e 88.
– CHAGAS, Manuel Pinheiro, “Académicos (Catálogo dos) honorários da Academia Real das Ciências, desde a sua fundação até hoje”, in «Dicionário Popular Histórico, Geográfico, Mitológico, Biográfico, Artístico, Bibliográfico e Literário (Dirigido por….»), vol. I, Lisboa: 1876, p. 59.
– COSTA, Francisco de Paula Ferreira da Costa, Memórias de um miguelista (1833-1834). Prefácio, transcrição, actualização ortográfica e notas de João Palma-Ferreira, Lisboa: Editorial Presença, 1982, pp. 140-141.
– LOBO, Sandra, «MENESES, Fernando Maria de Sousa Coutinho Castelo Branco e Meneses – 2º Marquês de Borba, 14º Conde de Redondo (1776-1834)», in CASTRO, Zília Osório de, Dicionário do Vintismo e do Primeiro Cartismo (1821-1823 e 1826-1828), vol. II, Lisboa: Assembleia da República/Edições Afrontamento,2002, pp. 176-181.
– GAZETA de Lisboa, nº 54, de 3 de Março de 1828, Lisboa: Impressão Régia, p. 387.
– LOUSADA, Maria Alexandre (2006) e FERREIRA, Maria de Fátima Sá e Melo, D. Miguel, 2006, pp. 108-109, 117, 126, 143 e 176.
– MARQUES, A.H. de Oliveira, História de Portugal desde os tempos mais antigos até ao governo do Sr, Marcelo Caetano, vol. I, Lisboa, Edições Ágora, p. 649.
– PAIXÃO, V. Braga, D. Miguel, Infante e Rei – Presidente da Academia, Lisboa, Academia das Ciências, 1967, pp. 21 e ss.
– PANCAS, Senhor de (DAUN, José Sebastião de Saldanha Oliveira e, 1823), Diorama de Portugal nos 33 meses constitucionais ou Golpe de vista sobre a revolução de 1820 – A Constituição de 1822 – A Restauração de 1823. E acontecimentos posteriores até ao fim de Outubro do mesmo ano, Lisboa: Impressão Régia, 1823, pp. 221-222.
– PROTÁSIO, Daniel Estudante, Pensamento histórico e acção política do 2º Visconde de Santarém (1809-1855), S.L.: Edição de autor, 2016.
. __________________________ , 2º visconde de Santarém (1791-1856): uma biografia intelectual, Lisboa: Chiado Books, 2018.
– SANTARÉM, 2.º Visconde de, Memórias Verídicas do meu Ministério durante os Três Meses que o Exerci, Colecção Visconde de Santarém, 1827.
– ______________________ , Correspondência do… coligida, coordenada e com anotações de Rocha Martins (da Academia das Ciências de Lisboa) publicada pelo 3º visconde de Santarém, vol. V, Lisboa, Alfredo Lamas, Mota e Cª, 1919.
– SANTOS, barão de (SANTOS, José Clemente dos), Documentos para a História das Cortes Gerais da Nação Portuguesa, vol. II, Lisboa: Imprensa Nacional, 1884.
– SILVEIRA, José Xavier Mouzinho da, “Memória acerca do Restabelecimento da Carta Constitucional e do Trono de D. Maria II”, Ler História nº 2, 1983, pp. 161 e 163.
– TENGARRINHA, José, Da liberdade subvertida à liberdade mitificada, Lisboa, Edições Colibri, 1993.
– ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins (Dir., Coord. e Compil.), Nobreza de Portugal e do Brasil, Lisboa, vol. II, 1984 (2.ª ed.; 1.ª ed. 1960), pp. 428-429.