Daniel Estudante Protásio (Centro de História da Universidade de Lisboa)
Carlos Matias Pereira constitui um dos casos mais paradigmáticos de indivíduos que, no primeiro terço do século XIX, ascendem politicamente, através da experiência comercial e do domínio técnico de várias línguas:
antigo caixeiro de uma casa de comércio inglesa (como de resto o hábil Gameiro, visconde de Itabaiana), depois intérprete da fortaleza de Santa Cruz para se comunicar com os navios que demandavam o porto, em seguida intérprete da comissão mista para as questões do tráfico negreiro. Seu amigo Silvestre Pinheiro Ferreira, quando foi ministro dos estrangeiros [sic], fê-lo secretário em Turim e depois em Roma. Em 1823 veio ele com uma missão secreta do Rei junto do Imperador, chegando e regressando pelo mesmo paquete após haver conferenciado várias vezes com D. Pedro (LIMA S.D.: 55-56).
Encarregado de Negócios de Portugal no Rio de Janeiro desde 8 de Janeiro de 1826, é mais tarde incumbido de uma missão especial em Argel, nas chamadas províncias berberescas, ou barbarescas (LIMA S.D.: 5 e 56)
No tempo de Dom Miguel, representa de novo Portugal no Rio de Janeiro, mas a partir de Londres, de que sobrevivem 17 ofícios reservados que lhe são enviados pelo 2.º Visconde de Santarém, entre 27 de Novembro de 1829 e 25 de Abril de 1829 (SANTARÉM 1918 e 1919 I: 486 a II: 369).
Maria Teresa Mónica afirma-o ligado ao empréstimo internacional de D. Miguel (MÓNICA 1997: 73, n. c).
Em Coimbra, a 14 de Agosto de 1833, sendo nomeado um novo oficial-mor do ministério dos Negócios Estrangeiros, António José Viale (o qual que transita do ministério da Guerra), Carlos Matias Pereira substitui o oficial António Xavier de Abreu de Castello Branco, parente e homem de confiança do visconde, morto em Leiria, provavelmente nos últimos dias de Julho. No dia seguinte, Matias Pereira informa que “O Visconde de Santarém está o mais bem visto com El-Rei que é possível”, mantendo, este, aparentemente, a sua honra pessoal e política intactas, face ao debacle da perda da capital (Crónica Constitucional de Lisboa nº 112, de 3 de Dezembro de 1833: 625; SANTARÉM V 1919: 205).
A propósito do Atlas da cartuxa de Évora, isto é, de Fernando Vaz Dourado, o visconde de Santarém informa que procurou a colaboração de Carlos Matias Pereira a esse propósito, nos anos de 1833 e 1834:
Je me suis empressé de me procurer les notes sur le précieux monument géographique et ayant trouvé une très succinte, parmi les Ms. de la Bibliothèque du couvent de St. Vicent de Fora à Lisbonne, j’ai um devoir […] [de] me procurer une autre plus détaillé. J’ai donc prié M. Carlos Mathias Pereira de me l’obtenir pendant le cour de ses voyages dans la province d’Alemtejo, dans les années 1833 e 1834, et en effet il m’a fourni d’autres plus détaillés, et que j’ai laissé avec mes papiers en Portugal» (SANTARÉM 1919 V: 33, ofício para Jomard de 4 de Abril de 1837).
Preso em Julho de 1834 no castelo de São Jorge, juntamente com o conde da Lousã e o bispo do Algarve (MÓNICA 1993: 73).
FONTES
–Crónica Constitucional de Lisboa nº 112, de 3 de Dezembro de 1833, Lisboa, Imprensa Régia, p. 625.
– LIMA, Manuel de Oliveira Lima, Dom Pedro e Dom Miguel. A Querela da Sucessão (1826-1828), São Paulo, Editora Proprietária Companhia Melhoramentos de São Paulo, S.D., pp. 55-56.
– MÓNICA, Maria Teresa, Errâncias Miguelistas (1834-43), Lisboa, Edições Cosmos, 1997, p. 73 e n.
– SANTARÉM, 2.º Visconde de, Correspondência do… Coligida, coordenada e com anotações de Rocha Martins (da Academia das Ciências de Lisboa). Publicada pelo 3º Visconde de Santarém, vols. V e VI, Lisboa, Alfredo Lamas, Mota e Cª, Editores, 1919.