Daniel Estudante Protásio (Centro de História da Universidade de Lisboa)
Francisco Furtado de Castro do Rio de Mendonça e Faro nasceu em Lisboa, a 11 de Dezembro de 1780 e faleceu na mesma cidade a 11 de Março de 1854, aos 73 anos de idade, filho dos primeiros condes e sextos viscondes. Será, porventura, um dos mais complexos e interessantes exemplos de inteligência política em contexto aristocrático, num período histórico pleno de contradições: o da transição do Despotismo Ilustrado posterior ao Pombalismo, até à Regeneração saldanhista de 1851.
O seu pai, o 1.º conde e 6.º visconde de Barbacena, Luís António Furtado de Castro do Rio Mendonça (1754-1830), apresenta um currículo invejável de militar, funcionário régio e intelectual. Bacharel em direito e doutorado em filosofia pela Universidade de Coimbra, fundador e primeiro secretário da Academia das Ciências de Lisboa (estabelecida em 1779), governador e capitão-general de Minas Gerais aquando da Inconfidência, ou Conspiração Mineira (em 1789), veador da princesa e rainha Dona Carlota Joaquina, membro da deputação a Baiona (1808), par do reino (1826) e com direito a presença no braço da nobreza, aquando da reunião das cortes tradicionais de Lisboa de 1828, é agraciado com a Grandeza do título condal em Setembro de 1816. É, ainda, presidente da Mesa da Consciência e Ordens (Zúquete II 1984: 372).
É irmão de Luís de Paula Furtado de Castro do Rio de Mendonça (1796-1834), desembargador tanto da Casa da Relação do Porto quanto da Casa da Suplicação, presidente da Mesa da Consciência e Ordens e ministro dos Negócios Eclesiásticos e das Justiças de Dom Miguel (em 1828-29 e 1831-34), além de sócio honorário da Academia das Ciências de Lisboa.
No Brasil, onde o pai desempenhou as funções de governador e capitão-general de Minas Gerais, Francisco Furtado de Castro do Rio de Mendonça e Faro assenta praça, em Cavalaria, em 1789. Em 1797, pedindo baixa, volta à metrópole e alista-se no regimento de Cavalaria de Mecklemburgo, ascendendo ao posto de alferes a 2 de Janeiro de 1799 (aos 18 anos) e de capitão a 17 de Março de 1801 (20 anos). Combate na Guerra das Laranjas, no Verão seguinte.
Terminado o conflito, frequenta a Academia de Fortificações, Artilharia e Desenho, “onde foi aluno laureado” (Zúquete II 1984: 372).
Sob Junot, depois da Primeira Invasão Francesa, é encarregue de disciplinar alguns regimentos de Cavalaria nas províncias do sul.
Durante a Guerra Peninsular, na qual combate, é ferido em Majadahonda em 1812, sendo conduzido a Madrid e acolhido pelo rei José I Napoleão. Termina o conflito com a patente de coronel. Retornando ao Brasil, ascende hierarquicamente e torna-se inspector da Arma de Cavalaria.
Desempenha, tal como o pai, o cargo de veador de Dona Carlota Joaquina.
Aquando da aclamação régia de Dom João VI, a 6 de Fevereiro de 1816, serve de alferes-mor, com a patente de brigadeiro graduado em marechal-de-campo (Zúquete II 1984: 372; Carrilho 2002: 6 erra ao afirmá-lo, então, tenente-general efectivo). Em Outubro desse ano, pouco depois de o pai ser elevado à Grandeza enquanto 1.º conde de Barbacena, o filho é agraciado com o título de 2.º conde.
Em 1818 regressa ao reino. Aquando da revolução de 24 de Agosto de 1820, é nomeado, pela regência lisboeta, comandante das forças, estacionadas em Rio Maior, destinadas a esmagar a revolta liberal (Araújo 2006: 47 e 100), mas terá preferido demitir-se (Zúquete II 1984: 372).
Aquando do regresso da corte a Lisboa, em Julho de 1821, Dom João VI nomeia-o ministro dos Negócios Estrangeiros (o que indica confiança política e inteligência estratégica do nomeado), mas desempenha tais funções durante pouco tempo. Permanece veador de Dona Carlota Joaquina até à sua partida para o Ramalhão, devido ao diferendo com as Cortes.
Sob Dom Miguel comandante-em-chefe do Exército, da Vilafrancada à Abrilada, Barbacena desempenha as funções de chefe do Estado-Maior-General do Exército.
É nomeado ministro da Guerra entre 15 Janeiro de 1825 e Março de 1826 (Serrão & Marques 2002: 565-566), ou 31 de Julho desse ano. De 13 a 31 de Julho, exerce, interinamente, as funções de ministro dos Negócios Estrangeiros, em substituição do titular, o conde de Porto Santo (Brandão 2002: 197-198).
Ao contrário do pai, não foi par do reino em 1826, com a outorga da Carta Constitucional. É efectivado em marechal-de-campo a 28 de Dezembro de 1826.
A 1 de Agosto de 1827 contrai matrimónio com D. Maria das Dores José de Melo (nascida a 30 de Outubro de 1783), tia materna, Dama da Rainha Dona Maria I e Dama da Ordem de Santa Isabel (Zúquete II 373 e https://geneall.net/pt/nome/49406/francisco-furtado-de-castro-do-rio-de-mendonca-2o-conde-e-7o-visconde-de-barbacena/).
Presente no braço da nobreza, aquando das cortes de Lisboa de 1828, representando-se a si mesmo e ao pai enquanto “Procurador de seu pai, o conde de Barbacena, [o] conde de Barbacena, Francisco” (Santarém 1919 V: 525).
José-Augusto França, em texto de 1984, parece colocá-lo alinhado com a facção ultrarrealista: “Cadaval, S. Lourenço e Santarém não eram a mesma coisa que Basto e Barbacena, no quadro do miguelismo, e o seu Rei, mais ainda que D. Pedro, vivia do precário equilíbrio de facções que vagamente conhecemos” (França 1984: 486-487). Porém, tanto quanto se sabe, o seu perfil intelectual tem muito pouco de ultramontano e de intolerante.
Em 1828 Barbacena volta a desempenhar funções de chefe de Estado-Maior-General, tendo por subordinados o marquês de Tancos (Ajudante-General do Estado-Maior-General) e Filipe Néri Gorjão (Quartel-Mestre General do Estado-Maior-General). Estas três figuras são essenciais na estrutura do Exército de Dom Miguel, de 1828 a 1833.
Em 1829, morrendo o conde de Rio Pardo (1755-1829), ministro da Guerra, é substituído pelo conde de São Lourenço. Segundo o Diário de António Ribeiro Saraiva, o duque de Cadaval ter-lhe-á relatado as incompatibilidades entre o ministro da Guerra, o brigadeiro conde de São Lourenço e o tenente-general conde de Barbacena, chefe do Estado-Maior, no caso das defesas da barra do Tejo, as quais falham aquando do episódio Roussin: São Lourenço, alegadamente
sabendo muito pouco, não podia fazer nada por si e o outro [Barbacena], que é capaz de pôr a barra em conveniente defesa, sendo só chefe de estado-maior, não podia fazer nada sem ordem do ministro da Guerra, a quem competia fazê-lo. O dito ministro [São Lourenço], porém, tendo do outro uma espécie de ciúme, não o tinha incumbido daquelas diligências necessárias e tinha ido mandado fazer as coisas com a brandura e ignorância militar que lhe era[m] própria[s] (Saraiva I 1915: 70; Negrito meu).
É curioso verificar que, enquanto netos, ambos, do 1.º marquês de Sabugosa (1743-1805), o 2.º conde de Barbacena (1780-1854) e o 9.º conde de São Lourenço (1794-1863) eram primos direitos, ou germanos, entre si. Porém, o conde de São Lourenço era filho do 2.º marquês de Sabugosa, e herdeiro desse título nobiliárquico, consideravelmente mais antigo do que o de conde de Barbacena (Zúquete II 1984 372-373 e III 1984: 248-249 e 332-333).
A 3 de Outubro de 1832, a propósito da necessidade de Dom Miguel deixar a capital e de superintender o cerco do Porto, e de isso apenas suceder se o convento da Serra Pilar fosse tomada, é Barbacena considerado, pelo visconde de Santarém, enquanto um dos “militares inteligentes” do exército miguelista (Santarém 1919 IV: 416). A 26 do mesmo mês e ano o conde é promovido a tenente-general (aos 51 anos de idade). O que pode ser considerado uma decisão tanto militar quanto política, de modo a procurar equilibrar a correlação de forças entre os oficiais-generais ao serviço do regime.
Entre Fevereiro e Julho de 1833, Barbacena desempenha as funções de ministro interino da Guerra, durante o período em que o conde de São Lourenço (titular da pasta) exerce as de comandante do Exército de Operações sobre o Porto. Lousada & Ferreira 2006: 309 corrobora esta afirmação, embora Mónica 1997: p. 20, n a), mencione decreto de 2-3-1833.
Vários autores mencionam supostas negociações entre miguelistas e liberais para uma solução política da guerra civil, durante o ano de 1833:
Esta solução foi primeiro recusada pelos ingleses, por ser proposta por via particular e secreta. Sabe-se que mais tarde estiveram envolvidos Saldanha e o seu cunhado, o miguelista conde da Bahia (tios por afinidade do visconde) e também os tenentes-generais Barbacena e [Azevedo e Lemos] e o ajudante deste, o conde da Torre Bela. É possível que os próprios Cadaval e Santarém se envolvessem nessa negociação, mas isso não é certo (Passos 1936: 334 e 338, Lima 1933: 234-235, Lavradio 1933 II: 389 e Ferrão 1940: 525-526).
A 14 de Julho de 1833, o 2.º conde de Barbacena é nomeado marechal do exército, na mesma altura que Bourmont é feito marechal-general (Carrilho 2002: 94; Zúquete II 373 fala em dia 11). Tratava-se, ao mesmo tempo, de uma excepcional promoção para o conde português, na senda de uma carreira militar brilhante; e de uma nomeação política para o conde francês, de modo a tentar quebrar o impasse do conflito de armas entre liberais e miguelistas.
Porém, após a perda de Lisboa para as tropas liberais do duque da Terceira, e como represália, Barbacena é mandado sair de Coimbra para o Alentejo (Fronteira 1986 “Parte V – 1833 a 1834”: 49-50). Segundo o relato de uma testemunha credível, Francisco de Paula Ferreira da Costa,
Isto vimos acontecer com o Conde de Barbacena, Chefe de Estado-Maior[-General], com o Visconde de Santarém, Ministro dos Negócios Estrangeiros, com Joaquim José Maria [de Sousa Tavares], Comandante da Guarda Real da Polícia e com outros muitos (Palma-Ferreira 1982: 69).
A 16 de Novembro desse ano de 1833, os duques de Cadaval e de Lafões e o conde de Barbacena saem de Abrantes, foco de cólera-mórbus, em direcção a Elvas (Lobo 1837: 80-81 e 83). Em Maio de 1834 encontra-se em Elvas, juntamente com a infanta D. Isabel Maria e os duques (Lobo 1837: 84 e Lousada & Ferreira 2006: 183).
Apresenta-se às autoridades constitucionais antes da convenção de Évora-Monte, sendo por isso despromovido a marechal-de-campo, o posto que mantinha antes da regência e reinado de Dom Miguel (Carrilho 2002: 90). Demite-se da sua posição no Exército depois do dito convénio, i.e., 27 de Maio de 1834 (Brissos 1997: 32, n. 44). Ter-se-á dedicado, inicialmente, apenas a obras de benemerência (Palma-Ferreira 1982: 40, n. 18).
O espião Lavater miguelista insinua que a casa de Barbacena é poupada pelos “serviços indirectos” prestados aos liberais, mal escapando a ser assassinado e permanecendo em Torres Novas, com obrigação de se apresentar a cada 24h às autoridades policiais (Mónica 1997: 77 n.)
José Xavier Mouzinho da Silveira (1780-1849), célebre estadista e reformador liberal, considera Barbacena um dos mais probos entre os miguelistas, tal como António Ribeiro Saraiva (Mónica 1997: 89 n. b) Em 1838, o visconde de Santarém classifica “le comte de Barbacena (François), un des officiers les plus savants et les plus braves de l’armée portugaise” (Santarém 1910 II: 476)
A 22 de Abril de 1840, a propósito de uma biografia sobre o 1.º conde de Barnacena (1754-1830) que lhe é encomendada pela Encyclopédie du XIX Siècle, pede o visconde de Santarém ao sobrinho, o 8.º conde da Ponte: “Muito me obrigará o conde se me puder obter estas noções. Julgo que o [2.º] conde da Barbacena, Francisco, as poderia também dar” (Santarém 1919 VI: 108). Ou seja, Santarém continuava a considerar Barbacena da mesma forma que antes do exílio que se impôs, a partir de 1834.
Sob o cabralismo, após 1842, o conde recusa a ideia de se sentar na câmara alta cartista (tal como o pai fizera): “Dos Pares de 26, uma esmagadora maioria aceitaria, se readmitidos. Recusar-se-ia o Conde de Barbacena, o Visconde de Asseca e pouco mais” (Mónica 1997: 394).
Segundo Maria Teresa Mónica, “Por volta de 41 D. Miguel tinha já nomeado o Conde de Barbacena para chefe máximo do miguelismo” (Mónica 1997: 463). Ou seja, depois dos sessenta anos de idade, o conde de Barbacena envolve-se, política e militarmente, no projecto de restauração da monarquia miguelista.
No que diz respeito ao ano de 1843, escreve José Brissos:
Quanto à liderança o nome que reunia consenso geral, era o Conde de Barbacena. Tratava-se de uma personagem de reconhecido prestígio entre os miguelistas de Lisboa, mas de uma postura bastante reservada e de difícil acesso. Pensava-se que só o próprio D. Miguel, pela via epistolar, conseguiria demovê-lo. […] O Conde de Barbacena e outros notáveis miguelistas da capital mantinham claras reservas em relação ao Centro de Londres e, por extensão, à própria J[unta] N[acional]” (Brissos 1997: 33).
Quatro anos depois, em 1847, seria Barbacena director da Junta Nacional miguelista de Lisboa (Lousada & Ferreira 2006: 289). Este é um dos últimos registos que temos da sua vida. Falece em 1854, sem descendência. Com este aristocrata e militar, extingue-se a Casa Senhorial de Barbacena, que tantos serviços prestou a Portugal e à monarquia.
FONTES
– ARAÚJO, José Maria Xavier de, A Revolução de 1820. Memórias (Introdução de António Ventura). Lisboa, Caleidoscópio/Centro de História da Universidade de Lisboa.
– BRANDÃO, Fernando de Castro, História Diplomática de Portugal. Uma cronologia, Lisboa, Livros Horizonte, 2002.
– BRISSOS, José, A Insurreição Miguelista nas resistências a Costa Cabral. Lisboa: Colibri, 1997.
– CARRILHO, Luiz Pereira. Os Oficiais d’El-Rei Dom Miguel, Lisboa: Edições Guarda-Mor, 2002 (reedição fac-similada da 1ª edição, de 1856).
– FERRÃO, António, Reinado de D. Miguel. O Cerco do Porto (1832-1833), Lisboa, Comissão de História Militar, 1940.
– FERREIRA, João Palma- (pref.), Francisco de Paula Ferreira da Costa, Memórias de um Miguelista (1833-1834), Lisboa, Presença, 1982.
– FRONTEIRA, Marquês de, Memórias do… e d’Alorna, D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto, Ditadas por Ele Próprio em 1861…., “Parte V – 1833 a 1834”, Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1986 (reimpressão fac-similada da ed. de Coimbra de 1928).
– LAVRADIO, Conde do, Memórias…, D. Francisco de Almeida Portugal, comentadas pelo Marquês do Lavradio D. José de Almeida Correia de Sá, Revistas e Coordenadas por Ernesto de Campos de Andrade, vol. II, Coimbra, 1933, “Parte I (1796 a 1833)”.
– LIMA, Manuel de Oliveira, D. Miguel no Trono (1828-1833). Obra póstuma prefaciada por Fidelino de Figueiredo, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1933.
– LOBO, D. Francisco Alexandre (Bispo de Viseu), Resumida Notícia da vida de D. Nuno Caetano Álvares Pereira de Mello, Sexto Duque de Cadaval. Paris: Typografie de Casimir, 1837.
– LOUSADA, Maria Alexandre & FERREIRA, Maria de Fátima Sá e Melo. 2006. D. Miguel. Lisboa: Círculo de Leitores.
– MÓNICA, Maria Teresa, Errâncias miguelistas (1834-1843), Lisboa, Edições Cosmos, 1997.
– PASSOS, Carlos de, D. Pedro IV e D. Miguel I. 1828-1834, Porto, Livraria Simões Lopes, 1936.
– SANTARÉM, Visconde de, Opúsculos e Esparsos. Coligidos e coordenados por Jordão de Freitas e novamente publicados pelo 3º Visconde de Santarém. Vol. I. Lisboa: Imprensa Libânio da Silva, 1910.
– ______________________, Correspondência do… Coligida, coordenada e com anotações de Rocha Martins (da Academia das Ciências de Lisboa). Publicada pelo 3º Visconde de Santarém, vols. IV e V, Lisboa, Alfredo Lamas, Mota e Cª, Editores, 1919.
– SARAIVA, Diário de António Ribeiro… (1831-1888), tomo I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1915.
– SERRÃO, Joel & MARQUES, António Henrique de Oliveira, Nova História de Portugal. Volume IX, Lisboa: Editorial Presença, 2002.
– ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins, Nobreza de Portugal: bibliografia, biografia, cronologia, filatelia, genealogia, heráldica, história, nobiliarquia, numismática. Lisboa: Enciclopédia Editora, vols. II e III, 1984 (2.ª ed.; 1.ª ed. 1960 e 1961).
– https://geneall.net/pt/nome/49406/francisco-furtado-de-castro-do-rio-de-mendonca-2o-conde-e-7o-visconde-de-barbacena/ (consultada a página a 22 de Agosto de 2025).