Projecto Arquivos e Estudos do Miguelismo

Governos de Dom Miguel (1828-1834)

Daniel Estudante Protásio (Centro de História da Universidade de Lisboa)

A saída e entrada de determinados elementos ministeriais, em função de momentos históricos concretos e de viragem (regência em 1828, questão Roussin em 1831, tomada de Lisboa pelos liberais em 1833), significaram rupturas políticas, ideológicas e de alinhamentos nos centros de decisão e na sociedade política miguelista. Pode ser afirmada a existência de três governos sob a regência e reinado de Dom Miguel:

  • O 5º governo sob a Carta, nomeado pelo regente D. Miguel, que a partir de 11 de Julho de 1828 se pode considerar o 1º governo sob uma nova realeza. Mantém-se em funções até à crise político-diplomática do barão de Roussin, com as saídas de Barbosa de Magalhães e do duque de Cadaval (27 de Junho e 1 de Julho de 1831).
  • O 2º governo sob a realeza de D. Miguel, em funções durante dois anos, desde Julho de 1831 até Agosto de 1833, quando supostamente são afastados o visconde de Santarém e o conde da Lousã, em consequência da queda de Lisboa nas mãos dos liberais.
  • O 3º governo sob a realeza de D. Miguel, de Agosto de 1833 a Maio de 1834. Ficou reduzido a cinco das sete pastas iniciais e era constituído quase exclusivamente por desembargadores e clérigos. Termina, como é lógico, com Évora-Monte.

 

O 1º governo sob Dom Miguel (26 de Fevereiro de 1828 a 30 de Junho de 1831)

Quadro 1: o 5º governo sob a Carta/o 1º governo sob a realeza de D. Miguel (26 de Fevereiro de 1828-30 de Junho de 1831)

Ministério da Assistência ao Despacho: duque de Cadaval
Ministério do Reino: José António de Oliveira Leite de Barros, futuro conde de Basto
Ministério da Marinha e Ultramar: José António de Oliveira Leite de Barros, depois
conde de Basto, interino
duque de Cadaval, interino (desde Agosto de 1830)
Ministério da Guerra: conde de Vila Real
conde de Rio Pardo (a partir de 3 de Março de 1828 e até 20 de Fevereiro de 1829)
duque de Cadaval, interino (a partir de 7 de Fevereiro de 1829)
conde de São Lourenço (a partir de 29 de Fevereiro de 1829)
Ministério dos Negócios Estrangeiros: conde de Vila Real, interino
conde de Vila Real (a partir de 3 de Março de 1828)
visconde de Santarém (a partir de 13 de Março
de 1828)
Ministério da Fazenda: conde da Lousã
Ministério da Justiça: Luís de Paula Furtado de Castro do Rio de Mendonça
João de Mattos Vasconcelos Barbosa de Magalhães (a partir de 11 de Abril de 1829 e até 27 de Junho de 1831)Fontes: MARTINS 1981 II, p. 446, VIANA 1891 I, p. 485, SANTARÉM 1918 II, p. 151 e V, p. 363, SUPLEMENTO 1828, p. 375 e GAZETA DE LISBOA 1828, pp. 405 e 491, SANTOS 1891 VIII, p. 368, MONTEIRO 1838 III, p. 394.

 

O 2º governo de D. Miguel rei (1 de Julho de 1831)

O grande golpe nesse governo nomeado em Fevereiro e Março de 1828, de cunho moderado, aristocrático e conservador, foi infligido com a chamada questão Roussin, pela qual o executivo lisboeta teve de ceder perante o ultimatum naval francês comandado pelo contra-almirante do mesmo nome. Ao contrário do que era esperado, tanto pelo regime liberal francês da revolução de Julho quanto pelos liberais portugueses exilados, não só não ocorreram sublevações em massa em Portugal, perante o resultado ignominioso que constituiu a perda da esquadra de D. Miguel, como as alterações no executivo foram mínimas e deram ainda maior poder aos ultra-realistas.

Assim, o ministro da Justiça Barbosa de Magalhães é demitido sem conhecimento do duque de Cadaval, o seu principal patrono, o que acaba por conduzir a que este último se demita. O intendente-geral da polícia António Germano da Veiga também é afastado.

Com a saída de Barbosa de Magalhães e de Cadaval e a reentrada de Furtado de Mendonça, não só o ministério ficava sem presidência e reduzido de 6 para 5 ministros, como a correlação de forças entre moderados e ultras passa de 5-1 para 3-2 e as pastas dirigidos por ambos de 5-2 para 3-3 (Estrangeiros, Fazenda e Guerra contra Reino, Marinha e Justiça). Isto é, o governo fica literalmente rachado ao meio. Torna-se mais fácil ao conde de Basto influenciar os outros ministros: para além de Furtado de Mendonça, o conde de São Lourenço.

 Quadro 2: o 2º governo sob a realeza de D. Miguel (1 de Julho de 1831-14 de Agosto de 1833)

Ministério do Reino: conde de Basto (até 2 de Agosto de 1833)
Ministério da Marinha e Ultramar: conde de Basto, interino
Ministério da Guerra: conde de São Lourenço
conde de Barbacena, interino (entre 21 de Fevereiro e 14 ou 17 de Julho de 1833)
Ministério dos Negócios Estrangeiros: visconde de Santarém
Ministério da Fazenda: conde da Lousã
Ministério da Justiça: Luís de Paula Furtado de Castro do Rio de Mendonça, interino (efetivo a partir de 27 de Junho, interino a partir de 29 de Junho de 1831)
Fontes: MARTINS 1981 II, p. 446, VIANA 1891 I, p. 485, SANTARÉM 1918 V, pp. 194 e 205, SANTOS 1891 VIII, pp. 292 e 294, FERRÃO, 1940, pp. 476 e 512.

 

O final da realeza de D. Miguel (de 15 de Agosto de 1833 a 27 de Maio de 1834)

 Se há matéria que permaneça obscura na história política do miguelismo é a da luta das facções e consequentes mudanças no governo entre Julho de 1833 e Maio de 1834, devido à evacuação de Lisboa pelo executivo de D. Miguel e à instabilidade político-administrativa daí resultante. 

Quadro 3: o 3º governo sob a realeza de D. Miguel (15 de Agosto de 1833-27 de Maio de 1834)

Ministério do Reino: Cândido Figueiredo e Lima (a partir de 18 de Agosto de 1833)
António José Guião (a partir de 22 de Setembro de 1833)
Ministério da Guerra: conde de Ghaisne de Bourmont, interino (de 15 a 25 de Agosto de 1833)
Ministério dos Negócios Estrangeiros: conde de São Lourenço ou Francisco José
Vieira, interino (a partir de Outubro de 1833)?
António José Guião, interino (a partir de Março de 1834)
Francisco José Vieira (a partir de meados de
Maio de 1834)
Ministério da Fazenda: conde de Ghaisne de Bourmont, interino (a partir de 15 de Agosto de 1833?)
Cândido Figueiredo e Lima (a partir de 18 de Setembro de 1833)
António José Guião (a partir de Março de 1834)
Ministério da Justiça: Luís de Paula Furtado de Castro do Rio de Mendonça, interinoFontes: MARTINS 1981 II, p. 446, VIANA 1891 I, p. 485, FERREIRA 1982, p. 69, ALVIM, 1985, p. 267, SERRÃO, 1986, vol. VIII, p. 48, GOMES 1891, p. CL, SARAIVA 1915, tomo I, p. 341, Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vols. XII, p. 874 e XVI, p. 908, FRONTEIRA, 1986, “Parte V – 1833 a 1834”, pp. 49-50, SANTARÉM 1918, vol. V, 368-71, DOMINGUES, 1977, pp. 115, 245 e 299, PASSOS, 1935, p. 221, COLEN, 1904, vol. IX, p. 485, SORIANO 1849, vol. II, p. 272 e Crónica Constitucional de Lisboa nº 112, de 3 de Dezembro de 1833, p. 625.

Este é sem dúvida o período mais confuso e incerto do reinado de D. Miguel, sobre o qual abunda informação lacunar e contraditória. Comecemos pelos factos conhecidos e passemos depois aos incertos, com a necessária brevidade.

Com a queda de Lisboa nas mãos dos liberais (a 24 de Julho de 1833), a morte do conde de Basto e o reconhecimento, por parte da Grã-Bretanha, dos direitos de D. Maria II (a 4 e 9 de Agosto), a causa de D. Miguel entrava em profunda crise política e militar. Sem capital fixa, obrigado a estabelecer o seu quartel-general em Coimbra, Santarém e finalmente Évora, o rei, a corte e o gabinete tornaram-se andarilhos durante quase um ano.

Quando Basto morreu, ficou o ministério reduzido aos condes da Lousã (titular da Fazenda) e de São Lourenço (da Guerra), ao visconde de Santarém (dos Negócios Estrangeiros) e a Furtado de Mendonça (da Justiça). Sabe-se que em breve a linha política moderada, dentro e fora do governo, irá ser derrotada pela radical; falta saber quando e em que circunstâncias.

Fontes

ALVIM, João Carlos, A Revolta Miguelista contra o Cabralismo (Cartas de António Ribeiro Saraiva e Cândido Figueiredo e Lima), Lisboa, Assírio e Alvim.
COLEN, Barbosa, História de Portugal Popular e Ilustrada, vol. IX, Empresa da História de Portugal, 1904.
DOMINGUES, Mário, A Derrocada do Absolutismo. Evocação histórica, Lisboa, Romano Torres, 1977.
FERREIRA, João Palma- (pref.), Francisco de Paula Ferreira da Costa, Memórias de um Miguelista (1833-1834), Lisboa, Presença, 1982.
FERRÃO, António, Reinado de D. Miguel. O Cerco do Porto (1832-1833), Lisboa, Comissão de História Militar, 1940.
FRONTEIRA, Marquês de, Memórias do… e d’Alorna, D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto, Ditadas por Ele Próprio em 1861…, Parte III, Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1986 (reimpressão fac-similada da ed. de Coimbra de 1928), “Parte V – 1833 a 1834”.
GOMES, Marques, Lutas Caseiras (Portugal de 1834 a 1851), Lisboa, Imprensa Nacional, 1891.
MARTINS, Joaquim Pedro de Oliveira, Portugal Contemporâneo, vol. II, Porto, Lello & Irmãos Editores, 1981 (1ª ed. 1881).
MONTEIRO, José Maria de Sousa, História de Portugal desde o reinado da Senhora D. Maria I até à Convenção de Évora-Monte: com um resumo histórico dos acontecimentos mais notáveis que têm tido lugar desde então até [aos] nossos dias…, vol. III, 1838.
PASSOS, Carlos de, in Damião Peres, História de Portugal (Edição Monumental), Barcelos, vol. VII, Portucalense Editora, 1935, p. 221.
SANTARÉM, Visconde de, Memórias para a História, e Teoria das Cortes Gerais, Lisboa, Impressão Régia, Parte 1ª, 1827.
SANTOS, Clemente José dos (Barão de São Clemente, Documentos para a História das Cortes Gerais, vols. IV, Lisboa, 1887, VI, 1889 e VIII, 1891.
SARAIVA, Diário de António Ribeiro… (1831-1888), tomo I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1915.
SERRÃO, Joaquim Veríssimo, História de Portugal, vol. VIII, Lisboa, Editorial Verbo, 1986 (2ª edição).
SORIANO, Simão José da Luz, História do Cerco do Porto, vol. II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1849.
VIANA, António, Silva Carvalho e a sua Época, Lisboa, Imprensa Nacional, vol. I, 1891.
Suplemento ao Numero 51 da Gazeta de Lisboa, 28 de Fevereiro de 1828, p. 375

Gazeta de Lisboa nºs 56 e 67, de 5 e 18 de Março de 1828, pp. 405 e 491.
Crónica Constitucional de Lisboa nº 112, de 3 de Dezembro de 1833, p. 625.
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vols. XII, p. 874 e XVI, p. 908.

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